sexta-feira, 1 de novembro de 2013

MESTRES BLOCS: O DINOSSAURO QUEBRA O OVO


Fui assistir recentemente em Belo Horizonte, a uma exposição das obras do pintor Cândido Portinari, no Cine Teatro Brasil. Tive a honra de conhecer, entre outras obras, os famosos painéis gigantes Guerra e Paz, que se encontravam no prédio da ONU desde 1955 e agora, graças ao Projeto Portinari, vão inicialmente para Paris e depois percorrer o mundo, antes de serem devolvidos ao lugar para o qual foram executados sob encomenda. Ao final da exposição pude conhecer melhor as imensas dificuldades para desmontar e trazer para o Brasil os dois painéis para restauro, num trabalho de extrema competência em nível internacional, não só de técnicas de restauração, como também de logística e transporte. Inegavelmente, um orgulho para o Brasil, tanto quanto à obra, como quanto à restauração. E enquanto percorria os salões da exposição, extasiado pelas belíssimas obras, me peguei imaginando uma cena dantesca: os Black Blocs destruindo aquele lugar. Mascarados indóceis, destruindo os sete andares do prédio histórico recém restaurado de forma irrepreensível, num processo que demorou anos e consumiu alguns milhões de reais. Caras tapadas de preto, quebrando e queimando aquelas esplêndidas obras de Portinari, num pretexto vazio de uma manifestação qualquer. No meio da minha divagação, foi-me impossível deixar de pensar na imbecilidade de um movimento assim. Num momento em que os valores parecem ter sido subvertidos, é impossível aceitar a idéia de que chegamos a um ponto de ter que defender o óbvio, o correto. Tenho dificuldade em entender como algumas pessoas - muitas inclusive, tidas como intelectuais, como o cantor Caetano Veloso - defendem incondicionalmente estes indivíduos. Argumentam os integrantes de grupos anarquistas como os Black Blocs e os Anonymous que, diante do calabouço moral em que se encontra o Brasil, a anarquia é a única saída para o nosso país. Estes grupos são contra qualquer forma de organização, de leis, de hierarquia e de poder constituído. É engraçado, pois se pensarmos com algum desvelo, logo concluímos que até a anarquia precisa de uma dose mínima de organização para existir. Do contrário, como seria possível um ato orquestrado e sincronizado em que o grupo anarquista Anonymous deflagrou ataques cibernéticos simultâneos em mais de uma dezena de capitais mundiais? Da mesma forma, apesar do entendimento de que o Black Bloc não é uma entidade e sim uma tática de manifestação desorganizada, como poderiam os Black Blocs organizar manifestações e atos de solidariedade uns aos outros em tantas cidades do Brasil, sem um mínimo de organização? Black Bloc é o nome dado a uma estratégia de manifestação e protesto anarquista, na qual grupos de afinidade, mascarados e vestidos de preto se reúnem com objetivo de protestar em manifestações, conferências de representacionistas entre outras ocasiões, utilizando a propaganda pela ação para questionar a ordem do sistema vigente. Com origem na Alemanha na década de 70, sua atividade no Brasil está invariavelmente relacionada a saques e destruição de prédios públicos, bancos, lojas e escritórios, o que se convencionou chamar de vandalismo criminoso. Estes grupos querem nos fazer crer que não têm uma liderança que fale por eles ou alguém que os represente, o que me parece inverossímil, face aos atos de vandalismo bem orquestrados, geralmente organizados pela internet. Que a liderança está - ao menos até aqui - convenientemente no anonimato, eu não duvido, mas daí a acreditar que não haja liderança, já são outros quinhentos... mascarados. Observando com mais atenção a evolução destes movimentos desde o seu surgimento no Brasil, nas manifestações de junho passado, percebo certa trajetória ascendente e compassada, que em nada faz lembrar um grupo desorganizado anarquicamente. Agora mesmo vimos um coronel da PM, sozinho e sem qualquer equipamento de proteção, ser brutalmente agredido por quase 70 destes indivíduos enfurecidos, que o atacavam com paus, pedras e barras de ferro, como a um animal. Aliás, nem um animal pode ser atacado assim, covardemente. Saliente-se que este policial militar de alta patente, era o negociador, o elemento que habitualmente ia à frente, de cara limpa e sem proteção de capacete, escudo ou arma, com a missão de possibilitar a mobilidade e a proteção dos próprios manifestantes. Este episódio lembra os diversos atos de agressão e violência entre gangues de torcidas organizadas que, não raro, terminaram em mortes por espancamento. Porque com “manifestantes” seria aceitável? Isto é feito em nome de uma ideologia, de uma reivindicação? Que mensagem queremos passar, permitindo situações como esta? Fatos assim deveriam servir como alerta para que a sociedade faça alguma coisa e sem demora. No entanto, as sequelas dos tempos da ditadura fazem com que permaneçamos na letargia, cheios de dedos ao punir qualquer ato de manifestação popular, com o receio de estarmos reprimindo o direito à livre expressão. Com isso, perdemos a noção do limite tênue entre direito e dever. O Brasil está acostumado a enviar grande contingente de militares para missões de paz em diversos países, como o Haiti, por exemplo. Essas missões têm como objetivo principal assegurar a ordem e fazer prevalecer as leis daquele país. Interessante observar que, numa situação dessas, quando se trata de outro país, não sentimos o menor constrangimento em utilizar o nosso exército como ferramenta para manter a ordem, mas quando se trata do Brasil, mesmo quando vivemos situações idênticas de descontrole com o flagrante desrespeito à ordem pública e à preservação da propriedade pública e privada, não admitimos utilizar as mesmas ferramentas. Afinal, para que serve o nosso exército e a gorda verba com que o mantemos com nossos pesados impostos, se não para defender a sociedade de seus inimigos, internos ou externos? Esse constrangimento fica patente no posicionamento titubeante assumido pelas autoridades, especialmente pela presidente Dilma que, certamente por ter sido guerrilheira nos tempos da ditadura militar, julga incoerente combater com mais veemência manifestantes que se fazem valer hoje de práticas semelhantes. Esse posicionamento dúbio e a falta de ações concretas por parte das autoridades, além de fomentar o fortalecimento deste comportamento criminoso, inocentemente travestido de manifesto de livre expressão, possibilita que facções criminosas também utilizem estes atos para marcar território e demonstrar poder, como fez recentemente o PCC ao fechar a rodovia Fernão Dias, na saída de S. Paulo, pegando carona na revolta de moradores da região pela morte inaceitável de um adolescente pela polícia. E o pior é que, quanto mais tempo passa, mais este verdadeiro câncer se alastra e se fortalece, e depois vai ser muito mais difícil – senão impossível - controlar e reverter a situação. Em inúmeros países, a história nos mostra situações semelhantes de grupos que surgiram igualmente travestidos de revolucionários e anarquistas - como é conveniente - geralmente munidos de ideais comunistas e acabaram por culminar em perigosos governos ditatoriais, cujo apego ao poder logo se torna visível. Estes movimentos surgem pequenos e são geralmente subestimados. São apenas jovens manifestando suas ideologias, o que é saudável - dizem alguns. Mas, neste caso, é de se pensar na possibilidade real de que a anarquia e o caos interessam a muitos grupos – alguns até de outros países - que perseguem obcecadamente o poder, e utilizam veladamente estes movimentos como instrumento de obtenção dos seus objetivos e defesa dos seus interesses. Quanto mais caos e desrespeito à ordem e às leis, maior a indignação da sociedade e, por conseqüência, maior a sua predisposição a aceitar um governo ditatorial. E o que realmente interessa à sociedade - as mudanças reais, especialmente na política - fica ainda mais distante, depois do compreensível esvaziamento das manifestações legítimas do povo nas ruas. Não é por acaso que vemos, em alguns momentos, a polícia assistir impassível, os vândalos barbarizarem patrimônio público e privado, como que a desafiar: -Estão vendo? Acham que a polícia é truculenta, então deixa quebrar tudo pra eles perceberem a necessidade da ordem. Aliás, a polícia - não sei se por estratégia (duvidosa) ou se por incompetência - diante de um quebra-quebra, geralmente enfia os pés pelas mãos: consegue bater e prender quem não participa dos atos de vandalismo e simplesmente assistir impassível os mascarados quebrarem tudo, e pra fechar com chave de ouro, de vez em quando ainda mata um ou outro Amarildo de forma absurda. Essa situação é, a meu ver, extremamente perigosa e não deveria ser subestimada. O dinossauro pode estar quebrando o ovo. O filhote é até bonitinho, mas depois... Godzilla talvez seja o maior vândalo do cinema. Destruía tudo e nem sabia porquê. A diferença entre ele e os nossos vândalos Blocs é só a máscara. E assim, assistimos estarrecidos, a cada dia um novo capítulo da ascensão destes grupos e a perigosa aceitação e permissividade de determinados setores da sociedade, alguns absolutamente improváveis, por serem de onde menos se esperava tal receptividade. Dando mostras claras de que não se trata de um movimento anencéfalo e desorganizado, os Blocs vêm pegando carona em todos os movimentos que têm alguma expressão na mídia nacional e internacional, enquanto, por outro lado, deixam, estranha e inexplicavelmente de se manifestar diante de situações de absoluta indignação, como a morte do servente Amarildo no Rio e do adolescente em S. Paulo, ambos pela polícia militar, o acolhimento dos embargos infringentes pelo STF, que culminou em novo julgamento dos  réus do mensalão, o aumento absurdo do IPTU de S. Paulo – enquanto o movimento Passe Livre reivindica 20 centavos e pede a surreal tarifa zero – entre outras situações igualmente estarrecedoras, diante das quais, os Black Blocs ficaram misteriosamente inertes. No caso da manifestação dos professores do Rio e o resgate dos cães beagles no laboratório do Instituto Royal na cidade de S. Roque, no interior paulista, os mascarados não perderam tempo. Em ambos os casos, o embate com a polícia e os atos de vandalismo no final, foram recorrentes. No caso da invasão do laboratório, pelo menos até agora, não tivemos conhecimento de que houve acolhimento dos mascarados por parte dos ativistas, mas no caso dos professores, foi diferente. É claro que o professor não é condignamente remunerado - nem prestigiado ou respeitado - não obstante desempenhar papel de extrema importância na educação, que é – ou deveria ser - a base da sociedade de qualquer país, mas é pertinente observar que no novo Plano para Docentes do RJ, um professor em início de carreira, com carga de 40 horas semanais, ganhará R$4.147,00, enquanto o seu colega de SP, nas mesmas condições, ganha R$2.600,00. A hora/aula do RJ é a mais alta entre todas as capitais. Será que os docentes paulistas que se solidarizaram com os colegas cariocas em suas reivindicações sabem disto? E o mais surpreendente é que, apesar dos atos violentos dos últimos dias, os descontentes professores municipais do RJ em greve, aprovaram no último dia 9 uma resolução em que defendem incondicionalmente os vândalos dos protestos do Rio. Isto é que é “corporativismo” levado ao extremo. Em outras manifestações, o movimento começa pacífico e descamba para o quebra-quebra no final, com grupos infiltrados que nada têm a ver com as reivindicações. Neste caso, não há mais como dissociar o movimento dos professores, dos Black Blocs cara tapadas. Temos agora o movimento dos Mestres Blocs. Realmente, uma verdadeira lição de mestre. Quando vem justamente dos mestres uma lição de que é correto depredar com violência patrimônio público e privado, em manifestos completamente desprovidos de uma reivindicação - e isto não quer dizer que, se tivessem uma, a violência seria legitimada – passamos a questionar o papel do educador das nossas crianças e jovens, tão carentes de valores e limites, no nosso Brasil de hoje. Esse é o futuro que estamos escrevendo para o nosso país? Que sociedade consegue evoluir sedimentando valores que legitimam a subversão de deveres coletivos em detrimento de direitos individuais? Assim como o pai permite que o filho adolescente cometa crimes e infrações com a intenção torta de fazê-lo um homem, parte da sociedade permite equivocadamente que os Blocs vandalizem livremente, passando a mão em suas cabeças mascaradas, saudando o tão esperado surgimento de jovens com “ideais”. Mas que ideais serão estes? Quebrar por quebrar, tudo que encontrar pela frente, inclusive pessoas? Não devemos deixar de observar que em todos os outros países onde os Black Blocs atuam, em situações de extremo vandalismo e violência como as que ocorrem no Brasil, o tratamento a eles dispensado é absolutamente diferente, pois não há - nem deveria haver - nenhum constrangimento em simplesmente aplicar a lei a quem a ela desobedece. Acho que devemos refletir sobre o que é pior para uma sociedade: jovens “eternamente conformados”, trabalhadores que contribuem com seu talento e criatividade para o desenvolvimento (seu e da sociedade) ou Godzillas anarquistas, “eternamente desempregados”, cujo único ideal é a desconstrução, vivendo numa sociedade sem regras e sem governo? Será que pode subsistir uma sociedade sem leis, sem meios de produção, sem polícia e sem governo? Acredito que nem as tribos da pré-história tinham (des) configuração semelhante. E assim caminha a humanidade – em uma avenida qualquer. Se no Rio o culpado é o Cabral, em S. Paulo a culpa é do Alckmin, em Belo Horizonte o culpado é o Lacerda e no Brasil a culpa é da Dilma. Mas na verdade, quem tem razão mesmo são os cariocas: realmente, é tudo culpa do Cabral. O Cabral que em 1500, teve o azar de descobrir isto aqui!