De vez em quando, tenho a mania
de reler jornais e revistas de alguns meses atrás, com o intuito de comparar as
expectativas da época com o que de fato acabou se concretizando hoje. Quando
comecei a ler noticias sobre o processo do mensalão, num jornal de agosto deste
ano, fiquei chocado ao perceber o desenrolar das “previsões”. Nem a Mãe Dináh
seria tão profética. Um dos textos afirmava que a discussão sobre o caso do
deputado Bispo Rodrigues, que levou ao bate-boca entre o presidente do Supremo
Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, e o ministro Ricardo Lewandowski, na verdade
tem a ver com o caso de um cardeal político, o ainda todo-poderoso petista José
Dirceu. Bispo Rodrigues, que hoje não é mais líder religioso, foi condenado na
primeira fase do julgamento, a seis anos e três meses de prisão, por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro, no entanto, se o Tribunal aceitar a tese
levantada pela defesa de que ele deveria ter sido condenado por uma legislação
mais branda sobre corrupção passiva, em vez de pela nova legislação que entrou
em vigor em novembro de 2003, outros casos de corrupção, inclusive ativa,
poderiam ser revistos. A alteração do Código Penal que aumentou o rigor das
penas de corrupção ativa e passiva teria, na concepção da defesa, ocorrido
depois que o crime de corrupção passiva de Bispo Rodrigues, havia sido
consumado, e o STF não teria levado em consideração essa mudança de tempo,
adotando a legislação atual, mais dura. A questão é que o momento do ato da
corrupção foi entendido pelo plenário do STF, por unanimidade no caso de Bispo
Rodrigues, como tendo acontecido na vigência da nova lei, e não, como quer a
defesa, no momento da primeira reunião para tratar da negociação, acontecida
antes da nova legislação. Porém, as declarações do embargante revelaram-se
inverídicas, já que, nas investigações do ministério público, que contam com
farta prova documental e testemunhal, não foram encontradas provas de que
Rodrigues participou dessa reunião. Da mesma maneira, o ex-ministro José Dirceu
poderia ter interpretados seus atos criminosos em diversos períodos de tempo,
beneficiando-se de uma redução de pena, se a legislação a ser utilizada fosse a
antiga e não a nova. Prosseguia a notícia afirmando “que esta manobra seria uma maneira de alterar a pena
de Dirceu, livrando-o da prisão em regime fechado sem nem mesmo precisar dos
embargos infringentes que, ao que tudo indica, seriam rejeitados pelo
STF.” Com relação aos embargos, a previsão não se concretizou, mas quanto ao
regime da pena ter sido alterado para semi-aberto, foi exatamente isso que
acabou ocorrendo, sem muita surpresa, porém. E prossegue o texto, afirmando “que
essa questão, aliás, já havia sido superada na recusa dos embargos de
declaração do delator do esquema, o ex-deputado Roberto Jefferson, que queria
uma redução da pena, alegando justamente que as negociações para o recebimento
do dinheiro teriam começado antes de 2003, quando vigorava a legislação
anterior. Como o caso fora rejeitado, provavelmente o mesmo aconteceria com o
recurso de Bispo Rodrigues e o presidente do STF não precisaria se desgastar
com o bate-boca com Lewandowski. No entanto, ele viu na insistência deste em
trazer novamente o assunto à discussão, no mínimo uma tentativa de retardar o
resultado final. De maneira sínica e até jocosa, Lewandowski disse que se
arrependeu do voto dado no ano passado, quando concordou com a pena mais rígida,
argumentando que tem o direito de rever eventuais equívocos e ainda perguntou a
Barbosa, porque este estaria com pressa em julgar. Barbosa argumentou que os
embargos de declaração não servem para rever provas, reclamou que o voto de
Lewandowski atrasou seus planos de concluir o julgamento dos embargos e, sem se
retratar, acusou o colega de não respeitar o STF e fazer chicana. Na ante-sala
do plenário, para onde a discussão se prolongou, foi possível ainda ouvir a
palavra palhaçada. O bate-boca com Lewandowski - episódio que, a meu ver, é o
mais revelador de todo o processo do mensalão - é um prosseguimento das
disputas ocorridas na primeira fase do julgamento, quando o ministro revisor
fez um contraponto permanente à posição do relator Joaquim Barbosa.” Prossegue
o texto, afirmando que “é do conhecimento de todos que paira no ar uma forte desconfiança
de que existem em andamento nos bastidores do tribunal, manobras protelatórias
para evitar a rápida conclusão da fase de embargos de declaração, ou mesmo de
aproveitá-los para alterar (leia-se diminuir) algumas penas. Nesta fase de
embargos, mesmo não existindo a figura do revisor, Lewandowski prossegue na
tentativa de revisão, com votos muito longos, mesmo para concordar com o
relator, numa clara tática para postergar a decisão final. O ex-revisor do
processo do mensalão foi acusado, na primeira fase, de alongar seus votos com o
objetivo de tirar do julgamento os ministros Cezar Peluso e Ayres Britto, tidos
como votos contrários aos mensaleiros.” Hoje vemos que estes dois ministros
foram substituídos por Roberto Barroso e Teori Zavascki, ambos declaradamente a
favor dos mensaleiros. Estes e outros ministros, claramente posicionados a
favor dos mensaleiros, argumentam que o processo tem que ser julgado de forma
isenta da pressão das ruas mas, paradoxalmente, decidiram despir a toga e ir
para a arquibancada - infelizmente, para o lado errado da torcida. Roberto
Barroso, realmente chegou com tudo: minimizou o processo do mensalão, ao
afirmar que este não foi o maior escândalo de corrupção e desvio de dinheiro
público da história do país e afirmou que corrupção é um mal em si, induzindo a
opinião pública a julgar que sem a reforma política tudo continuará como antes.
Ora, uma coisa é o uso dos recursos roubados para fins políticos - sem dúvida
culpa do nosso sistema - e outra coisa é o uso desse dinheiro em benefício
próprio, como fizeram os réus do mensalão. E não parou por aí: depois de
afirmar que o julgamento era meramente político, acrescentando que ninguém deve
supor que os costumes políticos serão regenerados com direito penal, repressão
e prisões, Barroso ainda criticou abertamente os colegas, por achar as penas
imputadas aos réus, na primeira fase do processo, severas demais. Deste modo, a
configuração do STF foi substancialmente alterada, e a maioria, que antes era
contra os mensaleiros, passou a ser composta por ministros que defendem penas
mais brandas. Se nos atentarmos ao fato de que a maioria dos ministros do STF
foi nomeada pelo ex-presidente Lula e que exatamente estes dois ministros
novatos foram nomeados por Dilma, hoje chegamos à conclusão inevitável que as
previsões da época, por mais surreais que parecessem, estavam corretas e fica
claro que as manobras para minimizar a condenação dos petistas, partem do
ex-presidente Lula e sua comandada Dilma Roussef. Não podemos nos esquecer
ainda, que o delator do mensalão, deputado Roberto Jefferson, acusou também o
ex-presidente Lula, no mesmo balaio de todos os outros réus já condenados e, no
entanto, este fato foi sistematicamente ignorado, tanto pelo Ministério Público
como pelo STF, que mantiveram a blindagem do líder petista. Agora vemos irem
para o ralo da impunidade, reivindicações legítimas do povo nas ruas, quando as
manifestações ainda não haviam sido esvaziadas pelos Black Blocs. O que vemos
agora tem pouco a ver com as manifestações da sociedade, em junho, cujos
propósitos vinham sendo entendidos pelas autoridades do país que, mesmo a contragosto,
se viam obrigados a tomar providências. Hoje, grupelhos mascarados fazem com
que o caminho do protesto beire a anarquia e a insensatez, em uma manobra que parece
ter a ver com quem tem interesse em que as coisas fiquem exatamente como estão.
A PEC dos mensaleiros, presente em vários cartazes pelas ruas, que faria com
que a cassação fosse automática, acabando com o contrassenso de um parlamentar
condenado pelo Supremo continuar parlamentar, legislando de dentro da Papuda, não
deu em nada. Diante desse corporativismo que impede que um deputado casse o
colega, o STF se considerou competente para dar a última palavra. Para termos
uma idéia do poder dos mensaleiros da cúpula do PT, hoje vemos o Congresso
desautorizando o Supremo, afirmando que é ele quem dá a última palavra na
cassação de um deputado. E para coroar o circo de horrores, petistas mensaleiros
que já tiveram suas penas reduzidas e modificadas do regime fechado para
semi-aberto, posam de presos políticos e heróis nacionais, numa manobra tão bem
orquestrada pelo ex-presidente Lula, que já foram beneficiados pela progressão
de pena durante o julgamento. É sem dúvida a mais rápida “progressão de pena”
de que se tem notícia, ocorrendo já durante o julgamento. Mas que julgamento?
Como podemos confiar na instituição da mais alta corte da justiça brasileira? Depois
de oito anos de julgamento, o cidadão comum - eleitor, contribuinte - está se
lixando para as vozes empostadas, as frases de efeito, as expressões em latim e
outros arroubos jurídicos. Quer mesmo é ver os ladrões do dinheiro público, os
condenados, atrás das grades e devolvendo o que roubaram. Espera este cidadão
que o STF dê uma demonstração exemplar de punição, deixando bem claros os novos
rumos do país, que não suporta mais tanta impunidade. Se a Suprema Corte for
subserviente às manobras do governo lulopetista, o que será da Justiça? Para a
maioria dos brasileiros honestos, que não roubam dinheiro público, o fim do
julgamento do mensalão com a prisão dos culpados não significa o fim de um
começo - como afirmou na época o ministro Barroso – mas o começo de um fim.