terça-feira, 1 de abril de 2014

A SÍNDROME DO DOM










                Fica frio...

                        É só um 

                        cromossomo extra!








 


Vivemos acostumados a rotular de diferente tudo o que não se encaixa no nosso padrão comportamental. Tendemos a assumir posturas simplistas, onde simplesmente excluímos quem não é igual a nós, ou quem nos parece que pensa de maneira diferente, julgando-o inferior, ignorando que existem inúmeras formas do ser humano se manifestar. Com frequência pré-julgamos sentimentos, opiniões e comportamentos, com a arrogância de quem detêm o conhecimento da verdade absoluta e o conceito do que é certo e errado. Não raro, ignoramos com prepotência, que a imposição de padrões de "perfeição", por si só configura prática quase nazista, título que, hipocritamente recusamos. E assim, vamos cercando a nossa sociedade de preconceitos, velados e explícitos, que a influenciam de maneira nefasta, produzindo conceitos que, de tão arraigados, se tornam quase leis. É o que acontece, por exemplo, com as pessoas que possuem a Síndrome de Down, cujo Dia Internacional vem sendo lembrado desde 2006, sempre em 21 de Março (21/3) em alusão à trissomia do cromossomo 21, como também é conhecida. Certos pais despreparados chegam ao cúmulo de desistir de criar um filho que, para seu desespero, nasce com essa característica. Alguns desses pais necessitam de muito mais ajuda do que o próprio filho que julgam ser “deficiente”. Afinal, como falar em inclusão na sociedade, se já no seio familiar, ao nascer, essa criança é rejeitada? Felizmente, a imensa maioria dos pais acaba por superar as dificuldades iniciais e relata que a experiência de criar uma criança down é absolutamente transformadora, considerando que receberam uma verdadeira bênção. As pessoas que possuem esta característica têm inúmeras habilidades e dons, estando capacitadas a levar uma vida quase normal. Este "quase" deve-se justamente a este padrão que impomos ao que difere de nós. Mas quem sabe dizer exatamente o que é normal? É claro que estas pessoas têm limitações, mas quem de nós, os "normais", não as tem? Quem tem o privilégio de conviver com um down, logo percebe o quanto o conceito de normal é abstrato e relativo. Crianças down são carinhosas e receptivas e se transformam em adultos inteligentes e capacitados a desempenhar funções e profissões em diversas áreas de trabalho. Têm dons artísticos e esportivos natos, que encantam pelo talento e pela sensibilidade. Filhos down têm ainda uma característica especial, que os fazem realmente diferentes da maioria de nós: conseguem demonstrar com facilidade o reconhecimento e a gratidão pela dedicação que recebem dos pais, por toda a vida. Ao contrário de nós, ditos "normais", as pessoas down não têm a menor dificuldade, não têm vergonha de expressar o seu amor. O amor pelos pais, o amor pela vida. São infinitamente gratos pela maravilhosa oportunidade que tiveram de viver e acham este mundo, simplesmente maravilhoso. Sim, as pessoas down são felizes. As pessoas down, na verdade são up. Elas são sempre pra cima. Por isso, têm tanto a nos ensinar e a nos fazer refletir. Com eles aprendemos que a evolução espiritual não caminha junto com a evolução material. Aprendemos que, não raro, baseados em padrões e conceitos duvidosos, julgamos erroneamente as pessoas pela posição que ocupam na sociedade. Assim, deixamos de valorizar quem, muitas vezas, está vários degraus acima de nós. E deixando de valorizar, pela nossa própria incapacidade de entender e identificar, perdemos também a valiosa oportunidade de aprender com estas pessoas, atrasando um pouco mais a nossa própria evolução. Por tudo isso, entendo que, para benefício dos próprios "normais", o mais adequado é manter a pessoa down sempre integrada na sociedade, seja na escola, enquanto criança, seja no mercado de trabalho, quando adulta. Além de fazê-la sentir-se à vontade, preparando-a melhor, integrar uma criança down numa sala de crianças tidas como "normais", vai certamente passar valores e conceitos importantes aos seus coleguinhas, especialmente numa idade em que ainda há pureza, e o caráter e os valores ainda estão se formando. E nessa rica troca de experiências entre crianças down, seus colegas "normais" e professores, com certeza só há ganhadores. Num sistema onde os alunos “normais” são praticamente analfabetos e onde não é permitido reprovar de ano, independente do desempenho, como afirmar que uma criança down não conseguirá acompanhar o aprendizado dos demais colegas? Tudo o que ela precisa é de apenas um pouquinho a mais de atenção e dedicação do professor. Mas, e quem não precisa? Se for preciso um reforço na aprendizagem, o que tem demais? Quantas crianças “normais” não ficam para recuperação e necessitam de aulas de reforço e até de professores particulares para ajudá-los? O que é normal, afinal? Será normal uma criança que comete um crime bárbaro ainda na mais tenra idade? Serão normais crianças que assassinam cruelmente os próprios pais? É normal um adolescente que incendeia mendigos nas ruas numa madrugada fria? São normais os adolescentes que estupram uma colega, filmam tudo e divulgam as imagens na internet? O adolescente viciado que assassinou a própria mãe para roubar e comprar drogas, é normal? E serão normais os adultos que matam a sangue frio e sem chance de defesa? E os pais “normais” que matam seus próprios filhos, ainda bebês? É normal a tortura, a guerra, a fome, a miséria, a corrupção e a ganância? Será que uma sociedade em que se cometem tamanhas atrocidades, pode se auto denominar normal, superior a outras? Diante de tudo isto, quem é down, afinal? Como podemos ter certeza de que, em algum lugar do universo, não existe um mundo habitado por pessoas down, com uma sociedade "perfeita" como a nossa, onde pessoas "normais", como nós, é que são diferentes? É bem possível que esse mundo down seja consideravelmente mais puro e evoluído do que este nosso planeta, tão degradado moral e espiritualmente. E enquanto isso, as verdadeiras aberrações e bizarrices, passam a ser consideradas normais, quando, indiferentes e egoístas, nos tornamos mais permissivos e impuros a cada dia. Nós é que somos down, somos “pra baixo”, vivendo numa sociedade cada vez mais rasa.

Obtenha mais informações no Portal Síndrome de Down:
http://www.portalsindromededown.com

JORNAL NACIONAL






                              Não penso

                              Não existo

                              Só assisto









Sentado, no banco da praça de uma cidade qualquer
Assisto toda a decadência
Até para me lembrar que sou melhor
Cansado, vejo toda a intolerância
Refletida no espelho do que é pior
Pra fortalecer a paciência que ainda resta em mim
Convivo com a “distante” violência
Que mancha à minha volta, tudo de carmim
Busco encontrar pacificada, a minha paz
Que jaz enterrada, lá no fundo do meu ser, toda vestida de cetim
Cínico raciocínio, marra que comete latrocínio
Nem consigo mais sentir
Não quero me ferir e subo no altar
Para finalmente descobrir que nem sei rezar
O avião que cai do ar
Mergulha em parafuso dentro do meu mar
Há tantas rimas que eu nem uso
Estou confuso com o meu olhar
No bilionário estádio lotado, em estado vegetativo
Anestesiado, o manifestante mudo bloqueia o cérebro, inativo
Como o elefante surdo pisoteia o rato, ainda vivo
E balança o teleférico que me leva aos céus
Onde Ele recebe de braços abertos
Todos os incertos sonhos meus
Nos breves intervalos, propagandas indecentes 
Impedem-me de pensar
Percebo cidadãos carentes
Mortos por polícias, que os deviam proteger
Desperto distraído, com letras displicentes
Numa tela de notícias
Embalada como pão, de global padrão
Que manipula a massa (nada cinzenta)
Sentada, no banco da praça de uma cidade qualquer

domingo, 30 de março de 2014

PAPAGAIADA DE CIGANO

    

         ...mas um dia se cansou,
         de tanto lhe dar agrado,
         para ver se ele falava,
         sem sequer um resultado:

         "-Eu desisto, meu amigo,
         não me deixas mais afoito!"
         O papagaio disse aos gritos:
         "-Mas não pare c'os biscoitos!"

Desde há muito, Caldas tem sido escolhida com alguma freqüência por bandos de ciganos que costumam acampar próximo a sítios e fazendas, onde pedem água, comida e favores, no período em que permanecem no local eleito, que pode chegar a algumas semanas, dependendo da acolhida que recebem. Pois bem, no final do ano, a minha casinha na roça de Caldas, foi um desses lugares eleitos e recebeu um casal de ciganos em busca de acolhida. Como não encontraram ninguém - já que a casa é de campo - e talvez por pensar que estivesse abandonada, resolveram se instalar no forro do quarto. Quando eu cheguei, depois de algumas semanas, dei de cara com os dois, que se assustaram, mas logo se acostumaram com a nossa presença. Me pediram para deixá-los ficar por um tempo, contando que haviam caído no trote do lote e feito um mau negócio, acreditando na papagaiada de um tal de Gordo e um tal de Cipó - que com certeza deveriam ter sido ciganos em outras vidas - e por isso, precisaram ficar um tempo acampados na mansão deste último, na roça vizinha, até conseguirem resolver o problema. Permiti que ficassem. No começo – e acho bem que ainda até hoje – me sentia visita em minha própria casa, tamanha era o “à vontade” do casal. Como todo o cigano, estes não fugiam à regra: eram bagunceiros e barulhentos. Viviam arrastando coisas no andar de cima, atrapalhando o meu sono, todas as noites. Logo percebi que não iriam embora tão cedo, pois ela estava grávida e parecia que haviam encontrado o local ideal. O meu forro era seguro e quentinho e eles haviam feito dele um verdadeiro ninho de amor. De dia saíam para arranjar alguma comida e de noite voltavam pra casa, para arrumar as coisas. E os barulhos persistiam. Algumas noites, parecia que arrastavam móveis até amanhecer. Também faziam muita gritaria e algazarra. Às vezes parecia mesmo que havia um bando inteiro e não apenas um casal. Com a intensa movimentação, pelas frestas do forro caía muita sujeira e poeira, emporcalhando todo o quarto. Às vezes tinha a clara sensação que me espiavam pelas frestas. Assim o tempo foi passando e eu fui embora, deixando o casal ainda mais à vontade. Quando voltei, meses depois, para minha surpresa, eles ainda estavam morando lá e a família já tinha aumentado. Agora eram o casal com trigêmeos! As crianças deveriam ter algumas semanas de vida. Haviam nascido saudáveis, porém, ao contrário dos pais que eram muito verdes e coloridos, os filhos tinham um tom ainda acinzentado e algumas partes peladas. Movimentavam-se pelo forro com dificuldade e desajeito, chegando a serem engraçados. Curioso, armei uma enorme escada na pequena cozinha, que atrapalhava muito a minha movimentação, mas assim, podia espiá-los de longe. Toda a vez que eu subia, os três irmãos me olhavam de lado, com uma cara engraçada de curiosidade, talvez imaginando que eu poderia ser a sua mãe trazendo comida, mas eu sempre os frustrava e não lhes dava nada. Por vezes, atirava-lhes algumas sementes de girassol, no café da manhã, mas eles as ignoravam, pois esperavam a comida direto na boca e como a minha pontaria não era das melhores, eu preferia deixar essa tarefa para a mãe deles. Quando esta chegava com a comida, promoviam uma algazarra que eu nunca havia visto igual. Nesses momentos ela aproveitava para ensiná-los a bater as asas, preparando-os para saírem do meu forro e ganharem o mundo. Enquanto isso, o pai esperava num galho de uma árvore próxima, como se vigiasse tudo. O barulho e a sujeira que caía do forro eram descomunais. E assim as semanas foram passando, até que numa espiadela, eu os vi praticamente prontos para a vida, numa lição que todos os pais deveriam aprender. A prova de que já estavam prontos é que já começavam a revelar a sua essência cigana. E ontem foi engraçado. Vejam só: quando subi a escada na cozinha para espiá-los, o primeiro - provavelmente o mais velho dos três - andou na minha direção e me pediu uma galinha. Disse que iria a uma festa à noite e não tinha companhia. E foi exigente: me pediu, que se fosse possível, lhe arranjasse uma galinha esverdeada. Imediatamente eu respondi: -Amiguinho, só se eu pintá-la com spray de carnaval, pode ser? Ao que ele me disse: -Se for assim, pode deixar que eu mesmo PINTO. Logo em seguida, veio o do meio, ainda mais esverdeado, me pedir pra carregar o celular na tomada da cozinha. Eu logo pensei: olha como são as coisas, vivem acampando por aí, sem a menor estrutura ou conforto, mas não abrem mão da tecnologia. Onde já se viu dar um celular para uma criança? Por isso temos tantos problemas sociais de dar PENA. Ao menos isso era um bom sinal e provava que já eram “antenados” pois, realmente, aqui nestas paragens, o sinal é muito bom. E, por fim, a caçula também veio me procurar. Sim, isso mesmo, a pequenininha era uma menina! Que belezinha. Tão pequena e já tão espertinha. Danadinha! Veio até mim e, como uma boa ciganinha, me perguntou se eu não tinha nada pra trocar por alguns panos de prato, que ela mesma pintara ao bico. Vi que eram bem feitinhos, pintados com motivos silvestres, mas infelizmente, eu já tinha muitos panos, alguns até bem quentes, que usava para colocar nas coisas. Então, ela insistiu e pediu para ler a minha mão. Eu disse que a minha mão não estava lá muito benta e que as letras talvez não estivessem legíveis, dificultando a leitura. Então ela me perguntou se eu era crente ao que respondi que acreditava em tudo, até em papagaios ciganos falantes. Ainda mais pelo fato de aqui nas roças de Caldas não haver papagaios, só maritacas, e aos MONTES! E, até por isso, quando têm alguma dor nas costas, ao contrário do que dizem na cidade, as pessoas daqui logo falam que estão com “bico de maritaca”. Sempre achei essa expressão muito engraçada. Mas voltando à VACA fria, a verdinha ficou sensibilizada e me deu um lindo paninho feito de penas, sem exigir nada em troca, o que me emocionou bastante. Disse que estava me agradecendo pela boa acolhida que lhes demos e que os pais, ao voltarem à noite, também iriam me agradecer bastante. Eu disse que não precisava, que eu havia apenas feito o que era certo. Eu gosto de ajudar. Eles também se emocionaram e me disseram que gostaram muito de mim, porque eu não tinha “cisma” de cigano e os tratara como gente, de maneira normal, sem nenhum preconceito. Com lágrimas nos olhos, eu aprendi mais uma lição e fiquei torcendo para que estes belos serezinhos realmente estivessem preparados para enfrentar o mundo que os esperava. Que Deus proteja estes papagaios falantes ciganos, para que, quando finalmente saírem da segurança do forro da minha casa, possam fazer o que eu sempre sonhei e só em sonho posso realizar: alçar livremente vôos cada vez mais altos por sobre as magníficas montanhas e vales da linda Caldas.