Antenor era um celular que -
apesar de já estar na meia idade - estava bem conservado - como é comum aos
orientais - e o principal: era antenado. Sabia que, no mundo competitivo de
hoje, a atualização é fundamental. Nos áureos tempos, Antenor era top entre os
colegas da sua geração. Modelo, Antenor deslizava nas passarelas. Vaidoso, ainda
hoje o coroa Antenor ostenta um visual fino e elegante, que ainda faz suspirar
muitas garotas. Atraía especialmente aquelas mais desapegadas, que não se ligavam
tanto em inovações e recursos tecnológicos. Amante da boa música, Antenor
reproduzia vídeos e músicas MP3 com maestria e potência. Também adorava tirar
fotos, o que fazia com excelente definição. Torcedor apaixonado do São Paulo, Antenor
era membro original da tradicional e conceituada família sul coreana “Lucky-GoldStar”,
cujo lema sempre foi, “Life’s Good”. Atônito, viu porém, nos últimos anos, uma
verdadeira invasão de celulares de países asiáticos que vieram para o Brasil, à
procura de melhores oportunidades de trabalho. Estes celulares são
constantemente alvo de preconceito e xenofobia, o que é sempre uma injustiça.
Além do mais, em sua maioria, estes aparelhos, são bastante capacitados. Alguns
são inclusive, praticamente andróides. Além dos asiáticos - que têm grande
talento para imitações, Antenor também se viu obrigado a competir de igual para
igual com colegas americanos, europeus e até mesmo japoneses, de gerações mais
atuais. Estes celulares são muito mais espertos e acessíveis e têm uma infinita
gama de recursos tecnológicos. Alguns, até fazem duos e parecem mesmo ter vindo
de outra Galáxia, processando informações com extrema rapidez. Então, como é compreensível, esta invasão de celulares
de todos os tipos, deixou Antenor mexido. Ultimamente, ele tem manifestado
vários sinais de desgaste. Por algumas vezes se sentiu meio fora do ar. Em
outras, chegou mesmo a desligar completamente. Tinha verdadeiro pânico –
completamente injustificado – de tabletes e também era avesso a notas. Por
vergonha, passava a quilômetros das grandes lojas de departamentos e suas
loucas liquidações de celulares. Alguns outdoors também o assustavam e por
vezes o constrangiam. Não gostava de andar de Moto e perdia constantemente a
Razão, se sentindo deprimido e arrasado por nunca poder dirigir sem ser multado.
Na verdade, seu funcionamento nunca mais foi o mesmo, depois da última
atualização. Passou a ter “toque”. Não aceitava bem todos os números e tinha
mesmo predileção por alguns. Sua memória também passou a traí-lo com mais
freqüência. A visão também já estava prejudicada, chegando ao ponto de não
conseguir mais ler um simples cartão com a mesma facilidade. Nervoso, muitas
vezes ficava “trincado” sem o menor motivo. Quando usava fone de ouvido,
Antenor se isolava do mundo, não falava nem ouvia ninguém. Um defeito
recorrente que passou a ser cada vez mais frequente, até que um dia, Antenor,
mesmo sem o fone, achava que ainda estava com ele, e continuava isolado,
fechado em seu mundo de jogos e MP3. Internet, ele nunca quis acessar. Insistia
em dizer que não era preciso acessar a internet para estar atualizado. Para
ele, Facebook e Tweeter não passavam de lendas. Com isso, não percebeu a
chegada de um chinês ao seu departamento. Cada vez que Antenor se isolava com
seus fones de ouvido imaginários, o seu colega Xing Ling ganhava mais espaço.
Simpático e falante, Xing Ling tinha novidades que encantavam a todos. Tinha
até uma TV a que todos assistiam na hora do almoço, pra saber as últimas
notícias. Enquanto isso, Antenor e seus fones imaginários só se ligava no rádio
FM. Mas, infelizmente, quando tudo parecia conspirar contra Antenor, eis que,
numa manhã de domingo, Xing Ling, no auge da sua juventude, simplesmente não
acordou. Sua morte súbita foi muito comentada. Diziam alguns que fora um
infarto que o apagou. Enquanto uns afirmavam que havia pegado uma pneumonia
fatal depois de um banho de chuva, outros diziam que tinha recebido um choque
enquanto recarregava as baterias num SPA. E outros ainda falavam que na verdade
havia sido pisoteado por um distraído pé 45. O certo é que o departamento
continuou mesmo a cargo do Antenor, que continua usando fones de ouvido para
trabalhar, só que agora são de verdade. Já que não puderam vencê-lo,
juntaram-se a ele. Todos no departamento, a partir de então, passaram a
trabalhar de fone de ouvido e tudo funcionou perfeitamente e, o que é melhor,
no mais absoluto silêncio.
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