terça-feira, 20 de julho de 2010

PORQUE OS RELACIONAMENTOS NÃO SÃO ETERNOS? (1995)


As pessoas se separam pelas razões aparentes mais diversas, porém há uma causa mais profunda, que explica bem esses desencontros tão comuns em nossa vida.

Pais e filhos, marido e mulher, parentes, amigos, namorados, se desentendem, brigam, se magoam e se afastam, muitas vezes para sempre. Porque será tão difícil manter um relacionamento harmonioso?

Ressentimentos, discussões amargas – Ego. Meu Ego me afirma que sou melhor que você, sei mais, tenho mais experiência, tive melhor educação, enfim, sou superior. E, porque gosto de você, quero reforma-lo, torna-lo melhor, pelo menos tão bom quanto eu.

Estas palavras podem ser modificadas ou suavizadas, mas o centro da questão (sou melhor do que você, quero modifica-lo), continua sendo o grande obstáculo, porque ter um bom relacionamento, seja com quem for, só é possível através do respeito por sua liberdade de ser como é e de poder decidir como e quando mudar ou crescer. Qualquer outro comportamento é falho e leva à discórdia e á frustração – e em muitos casos, à separação.

Provavelmente muitos já foram testemunhas de uma história que se repetem constantemente: uma jovem e um rapaz se apaixonam e se casam, pois têm imensa atração e admiração um pelo outro. Tudo indica que serão felizes juntos, mas por um motivo que é corriqueiro, embora poucos se dêem conta dele, acontece anos mais tarde uma dolorosa ruptura que consterna a todos que os conheciam. O marido dessa jovem, imbuído da certeza de estar fazendo um bem, empreendeu a tarefa de torná-la ainda melhor, na maneira de se vestir, falar, comportar-se em sociedade, expor idéias, divertir-se, pensar. Em sua santa missão, ele usou todos os recursos: persuasão, manipulação, culpa, chantagem emocional, ameaças. Seu “êxito” foi completo. Passados alguns anos, sua mulher tinha se modificado, se amoldado ao seu padrão de “como deveria ser”. Resultado: o marido não a quis mais. Divórcio, filhos desarvorados, confusão, sofrimento. Tão simples de explicar: ele havia sido atraído pelo que ela era, como ela era. Após “reformada”, deixou de ser a pessoa que o havia encantado, por ser justamente como era. E o mais curioso foi que ela voltou a ser como antes, espontânea, alegre, se vestindo com roupas vistosas – e o marido voltou a querê-la (sem sucesso).

O mesmo acontece a toda a hora por toda a parte: pais querendo reformar filhos, filhos querendo modificar os pais, amigos, colegas, todos querendo “ajudar” os outros a serem melhores segundo seus próprios padrões, mas nenhum deles pensando em sua própria mudança, em seu próprio crescimento. Estranho, mas quem mais pretende "reformar" o outro é quem mais precisa mudar, e só não vê essa verdade porque seu Ego arrogante o convence de que é superior, melhor, mais inteligente e está com a razão. Geralmente quando começamos uma discussão, já iniciamos a conversa dizendo ao outro, " você é ou fez isto ou aquilo", ao invés de começarmos dizendo, " eu me sinto assim, e você, como se sente?"

Um outro ponto dessa questão, tão ou mais importante do que a interferência do Ego na vida das outras pessoas, passa despercebido e se refere à razão mais essencial do problema: é tomar consciência de que tudo tem seu ciclo próprio, durante nossa passagem nesta vida, mesmo os amores "eternos", as amizades mais sólidas. É difícil e doloroso perder um amigo, um companheiro ou companheira, um relacionamento que julgávamos ser forte o bastante para desafiar o espaço e o tempo, a vida e a morte. O mais importante nisso tudo é percebermos que não há perda, só ganhos, quando nosso sentimento é sincero, quando amamos verdadeiramente e sabemos agradecer e compreender as dádivas do amor humano com serenidade e grandeza.

Sempre chegará o momento em que duas pessoas cumprem a missão que tinham a desempenhar juntas, ajudando-se mutuamente a crescer, a evoluir, a superar problemas pessoais, e chorar juntas as respectivas mágoas. A companheira e seus sentimentos não pertencem ao outro, são uma dádiva temporária e espontãnea. Por essa dádiva, pelas alegrias de uma amizade confortadora, pelo apoio mútuo em horas difíceis, pela troca de companheirismo, solidariedade, risos, lágrimas e tantas outras coisas maravilhosas, devemos nos sentir agradecidos. Só isso. O ciclo se encerrou, nada mais. Nada nem ninguém pode garantir a perenidade, exigir permanência, constância, pois neste plano tudo é transitório, mutável, e segue seu próprio curso. Terminado o ciclo, basta um motivo banal para desencadear a ruptura - pois é chegado o momento.

Compreender estas coisas em nossos relacionamentos, respeitar o direito do outro de não nos querer mais (é isto que a arrogância do nosso Ego não consegue suportar), não é tarefa fácil, mas se alcançarmos essa compreensão teremos escalado um importante degrau de nossa busca de mais luz e sabedoria - o do desapêgo verdadeiro, que não é indiferença, é grandeza. Assim, destituídos do nosso lamentável medo de perder, abrimos possibilidades para novos relacionamentos, mais gererosos e satisfatórios.

O ser humano tende a valorizar mais o sofrimento do que a alegria. Se "perdemos" alguém, lamentamos a dor que isso causa, e imediatamente esquecemos o que aconteceu antes, não sabendo lembrar com prazer aquilo que já recebemos e que permanecerá conosco como experiência e lembrança. Os momentos de amor e carinho de um casamento, a cumplicidade que existe entre amigos, a vida em família com nossos pais e irmãos, ou o simples namoro que pouco durou, mas foi intenso, formam um patrimônio inalienável, eterno e intocável, impossível de ser desfeito, e que foi valioso, enriqueceu e embelezou a vida das pessoas envolvidas, por um ciclo. Vale lembrar que quando alguém nos deixa para trás, é porque não podia agir de forma diferente, deu na medida em que podia fazê-lo, e então parte para outra experiência, outro ciclo, e tem o sagrado direito, como nós também temos, de partir.

Como pais, somos o marido reformador da história. Criamos nossos filhos com base na idéia de dominação egoísta da modelagem, do esteriótipo. Nõs sabemos o que é bom para eles, esquecendo de ouvir suas almas, sondar suas inclinações naturais, de sermos apenas os amigos que auxiliam, cooperam, orientam e disciplinam na justa medida. Depois nos queixamos que eles não nos compreendem, aqueles grandes ingratos, depois de tudo que fizemos por eles!

Relacionar-se com os filhos não precisa ser tão complicado. Sabemos muito bem que eles não nos pertencem. Seria sábio reconhecer neles, desde cedo, o direito de ser como são. Podemos e devemos orientá-los, estabelecer regras de convivência, afinal este é o nosso papel, sem no entanto ignorar que são criaturas únicas, sem igual em todo o universo, portadores do sagrado direito de buscar suas próprias respostas, seguindo seus próprios ritmos e capacidades.

Mas parece que não temos competência para este tipo elevado de amor. A maioria dos pais segue o caminho oposto, o de forçar os filhos a se encaixarem nos moldes que eles estabeleceram como os únicos corretos e que os mutilam indelevelmente - pois não se pode colocar o "redondo" numa forma "quadrada" sem causar danos, como muitos de nós dolorosamente descobrimos após passar por essa experiência, só que depois repetimos os mesmos erros com os nossos filhos.

Felizmente sempre é tempo de tentar mudar o que pode ser mudado. Abrir mão de que somos os melhores e sabemos mais do que os outros é crescer: não somos os melhores nem sabemos mais - apenas somos diferentes e sabemos das coisas de modo diferente, o que significa que sempre temos coisas a aprender e a ensinar, enquanto houver mútuo consentimento das partes interessadas. Ninguém pertence a ninguém, estamos aqui de passagem, cada um buscando a luz da evolução como sabe e como pode. Amor e amizade são presentes que a vida nos dá por algum tempo - minuto ou eternidade, que importa, se soubermos vivenciar a dádiva em plenitude? Já não dizia o poeta "que seja infinito enquanto dure"?

Relacionar-se é apenas seguir a mesma estrada com alguém. No início os passos têm a mesma cadência. Em épocas impossíveis de se prever, o passo de um se torna mais rápido ou o passo do outro se torna mais lento e então um segue em frente e o outro fica para trás, de acordo com a sua natureza. Querer nivelar todos os passos, eterna e constantemente é absolutamente egoísta e insensato. Mais cedo ou mais tarde, sofreremos as graves consequências dessa loucura. As vidas de cada um são como linhas, vagando pelo espaço, cumprindo seus destinos, que se cruzam e emaranham por algum tempo, para depois se desvencilharem e continuarem seus movimentos, embora existam as que, por força do destino, jamais se separam.

Enfim, neste mundo efêmero, tudo é fugaz, passageiro, inconstante. Só o dar/receber é nele um permanente acréscimo. As pessoas que passam por nossa vida e se relacionam conosco são nossos companheiros na jornada da evolução - por toda a sua extensão ou por um breve trecho - e são um precioso tesouro. Cada uma delas, não por acaso, cumpre uma missão, transmite uma mensagem, ensina uma lição, serve como mestre, e depois segue adiante. A amizade é sempre proveitosa e iluminadora, e renderá dividendos para todo o sempre. Cada um de nós é um canal que manifesta o amor divino. Cada amigo, cada parente, cada ser com quem nos relacionamos é um mensageiro desse amor, quer saiba disso, quer não. Reconhecer isso e pedir para cada um deles as bençãos divinas, deixando de lado mágoas inúteis e nocivas pelo abandono ou por nos terem levado a abandoná-los, é uma chave mágica para o bem viver. Reconhecer em cada um deles um anjo portador de luz, prova que estamos crescendo em sabedoria e bondade.

Porém, é bem verdade que é mais difícil fazer do que dizer. Somos presas fáceis da mágoa, da raiva, se os outros não são como achamos que devem ser ou se não somos como eles acham quem devemos ser e por isso ocorre uma separação. Negamos-lhes o mais importante dos direitos - a escolha de seus caminhos.

Assim, as separação nesta vida são inevitáveis - nossos entes queridos passam pela transição, vão viver em outro país, preferem outra pessoa, nos deixam por algum motivo, como nós também podemos resolver deixá-los. A idéia de que tudo obedece a ciclos, inclusive nossos relacionamentos, é válida e pode nos ajudar sobremaneira a superar os traumas maiores ou menores que essas separações possam nos causar. É tudo uma questão de amar com relativo desapêgo. Não é fácil, mas sem dúvida vale a pena tentar.

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